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Energias renováveis: o presente e o futuro da humanidade


FOLHA DE PERNAMBUCO – Dados revelados neste ano pela Organização Meteorológica Mundial (OMM), instituição da Organização das Nações Unidas (ONU), confirmam 2024 como o ano mais quente em 175 anos de registro científico, superando o recorde estabelecido em 2023. O novo marco acende o sinal de alerta para o risco de ultrapassarmos pontos críticos climáticos.

Pela primeira vez, a temperatura média global chegou a 1,5°C acima dos níveis registrados no período pré-industrial (entre os anos de 1850 e 1900), um limite estabelecido pelo Acordo de Paris em 2015, sobre o aquecimento global.

Para os pesquisadores envolvidos, os altos níveis de temperatura alcançados nos últimos anos foram provocados principalmente pelo aumento contínuo das emissões de gases do efeito estufa.

Esta edição da Folha Energia mostra que as energias renováveis são o presente e o futuro da humanidade, diante da inegável crise climática global. As reportagens revelam em que patamar estão as discussões em torno da renovação da matriz energética e quais são os investimentos para a descarbonização nos vários setores produtivos.

A transição energética – substituição gradual de combustíveis fósseis por fontes de energia limpas – é primordial para a reversão do quadro alarmante no qual a Terra se encontra. Esse processo toca em mudanças na economia e na sociedade, visando reduzir a produção de dióxido de carbono (CO2) e de outros gases, como o metano e o óxido nitroso.

Efeito estufa

Naum Fraidenraich, professor emérito da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e colaborador do Centro de Energias Renováveis, explica que a presença em quantidade crescente destas moléculas de CO2 “torna a atmosfera mais opaca (menos transparente) no processo de transmissão efetiva da radiação emitida pela superfície terrestre e que deve ser liberada nas camadas superiores da atmosfera”.

Este fenômeno é denominado efeito estufa, que provoca um aumento da temperatura necessária para dissipar a quantidade de energia gerada pelas atividades humanas na superfície do planeta. “Quanto maior o CO2 acumulado na atmosfera, maior a temperatura da Terra, com suas graves consequências, como o aumento da intensidade e frequência dos fenômenos de seca, inundações e temporais”, destaca Naum Fraidenraich.

Ainda de acordo com o professor, o processo de transição energética obriga o abandono gradativo de fontes de energia não renováveis, como o petróleo e o carvão. “As energias renováveis são muito menos poluidoras e é um imperativo da época aumentar paulatinamente a parcela de energia atendida por estas fontes”, reforça.

Neste cenário, o Brasil se destaca na produção e utilização de energia renovável, o que inclui fontes como solar, eólica, hidráulica, biomassa e geotérmica. O Balanço Energético Nacional 2025, ano base 2024, mostra que a matriz energética brasileira atingiu o patamar de 50% de renovabilidade, representando um marco histórico desde 1990. O relatório foi apresentado em maio pelo Ministério de Minas e Energia (MME) e pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE).

Os novos números trazidos pelo documento marcam a manutenção do protagonismo da energia hidráulica (11,6%) e da biomassa da cana-de-açúcar (16,7%), além da lenha e carvão vegetal (8,5%). Também obtiveram destaque a eólica (2,9%) e a solar (2,2%). Outras fontes renováveis, incluindo o licor preto, correspondem a 8,1% da oferta interna de energia nacional.

“O registro histórico mostra que as energias renováveis sempre foram regra no Brasil. No ano de 2002, uma parcela substancial da energia total consumida no País, 43,5%, vinha de energias renováveis. Já em 2023 essa parcela correspondia a 49,1%. É interessante consignar que a participação global de energias renováveis no mundo é consideravelmente menor: 14,7 % em 2021”, aponta Naum Fraidenraich.

Recálculos

Além de sua conhecida capacidade de produção de energia renovável, outro fator faz do Brasil o epicentro das notícias relacionadas ao assunto. É que o País sediará, em novembro deste ano, a COP 30, conferência anual das Nações Unidas sobre mudanças climáticas, que será realizada em Belém, no Pará.

“Temos como marco simbólico os 10 anos do Acordo de Paris. Existe toda uma expectativa de que as metas estipuladas neste acordo, para redução da temperatura global, investimento e desenvolvimento de energia renovável, sejam recalculadas e dinamizadas, visto que elas não estão sendo atendidas”, aponta Rudinei Miranda, presidente da Associação Nacional de Entidades Representativas de Energias Renováveis (ANER) e da Associação Pernambucana de Energias Renováveis (APERENOVÁVEIS).

O Governo Federal projeta investimentos de R$ 200 bilhões no setor de energias limpas até 2028. Esse aporte financeiro, somado à vasta disponibilidade de recursos naturais, faz do País uma grande aposta para o desenvolvimento e ampliação da fonte renovável.

“O Brasil já chegou a quase 90% da matriz elétrica oriunda de fontes renováveis. Isso não vemos em praticamente nenhum país do mundo. Somos referência global e, por isso, o mundo inteiro está olhando para cá, buscando entender como estamos fazendo”, defende Rudinei Miranda.

Na última edição do Índice de Transição Energética (ETI), divulgada em junho pelo Fórum Econômico Mundial, o Brasil ocupa o 15º lugar em um ranking com 118 países, melhor posição na América Latina e à frente de potências econômicas como Reino Unido (16º) e Estados Unidos (17º).

Cana-de-açúcar

Presidente do Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool no Estado de Pernambuco (Sindaçúcar-PE) e presidente executivo da NovaBio (Associação de Produtores de Açúcar, Etanol e Bioenergia), Renato Cunha chama atenção para o papel fundamental da cana-de-açúcar no avanço do processo de transição energética no País.

“O Brasil, pelo clima propício a uma agricultura que ocorre em ciclos de produção maiores durante o ano, já é o segundo maior produtor de etanol do planeta. Fabricamos cerca de 37 bilhões de litros por ano, com destino sobretudo aos combustíveis automotivos veiculares, através do etanol hidratado, que é muito limpo, com graduação alcoólica alta e eficiente, e ainda o etanol anidro, destinado a melhorar a qualidade ambiental da gasolina”, observa Renato.

A cana-de-açúcar é a principal fonte primária de energia renovável do Brasil, representando 16,7% de participação na Oferta Interna de Energia (OIE). Versátil, a biomassa da planta é utilizada não só para a produção de etanol. O bagaço (resíduo orgânico) obtido após a moagem da cana pode ser convertido em energia elétrica, biogás e biometano.

A partir da implementação da Lei do Combustível do Futuro (Lei 14.993) é esperado um impacto positivo para o setor sucroenergético e, em especial, para a cadeia produtiva da cana-de-açúcar, com aumento na demanda do produto e criação de novos mercados.

Além de elevar os limites máximo e mínimo da mistura de biocombustíveis (etanol e biodiesel) na gasolina e no diesel, a lei estabelece programas para incentivar o desenvolvimento de novos combustíveis sustentáveis.

“O setor sucroenergético sempre teve uma característica inovadora, aberto às novas iniciativas. Não ficou só no açúcar, mas migrou para o etanol e também está abrindo portal para o Combustível Sustentável de Aviação (SAF, na sigla em inglês), o biodiesel verde e o biometano, que inclusive terá metas anuais de 1% [de adição ao gás natural] a partir de 2026”, afirma o presidente do Sindaçúcar-PE.

“O biodiesel, que já tem um percentual de 14%, será 15% em 2025 e, com crescimento de 1% ao ano, pode chegar a 20% em 2030. O Governo Federal vai fazer os levantamentos dos resultados das safras, podendo graduar essas misturas de 13% a 25%. É o que já acontece com o etanol anidro, cujo percentual obrigatório hoje é de 27%, o que pode ser alterado de 22% a 35%”, detalha Renato Cunha.

Pluralidade

Segundo o Ministério de Minas e Energia, o País já conta com 12 unidades produtoras de biometano autorizadas pela Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP). Se confirmados os investimentos em andamento, mais 35 usinas poderão entrar em operação até 2027, elevando a capacidade instalada para mais de 2,1 milhões de metros cúbicos por dia. A pasta tem trabalhado com o objetivo de “estimular a pluralidade de fontes, sem trancamento tecnológico e buscando os melhores custos da energia para a população”.

A energia solar atingiu a marca de 23% de participação na matriz elétrica brasileira (referente exclusivamente à produção e consumo de eletricidade), com mais de 57,6 GW de potência em operação. Os dados são do balanço mensal divulgado pela Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar) em junho deste ano. O levantamento da instituição coloca a fonte fotovoltaica como segunda maior fonte da matriz elétrica nacional, perdendo apenas para a hídrica, que detém 43,9% de todo o volume operacional (110 GW dos 250,5 GW totais da matriz brasileira).

Rudinei Miranda acredita que a energia solar fotovoltaica tem um potencial de crescimento ainda maior no Brasil, mas há alguns desafios a serem vencidos. Um deles, segundo o presidente da ANER e da APERENOVÁVEIS, é a necessidade de segurança jurídica.

“Temos um marco legal que existe desde 2022, mas que por vezes não é cumprido, seja pela ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), que ainda não regulou etapas importantes, ou pelas concessionárias que não conseguem aplicar normas que estão claras. Por conta dessa vulnerabilidade, dentro da Associação Pernambucana criamos um comitê jurídico, reunindo sete grandes escritórios do nosso estado que têm capilaridade a nível nacional, para que a gente possa debater essas pautas transversais e pleitear com quem tem que regular as pautas de interesse comum para que o mercado solar continue sendo desenvolvido e trazendo tanto benefício”, contou.

Outro entrave apontado é a infraestrutura elétrica do País. As empresas distribuidoras de energia se comprometeram em investir R$ 130 bilhões, até 2027, na melhoria e expansão de suas redes de transmissão. Além disso, o Governo Federal já viabilizou a contratação de R$ 60 bilhões em linhas de transmissão.
Em novembro de 2024, o Brasil alcançou recordes na geração de energia eólica, registrando 23.699 megawatts médios (MWmed) em “geração média horária” e 18.976 MWmed de “geração média diária”. O Nordeste é responsável pela maior parte do crescimento no Brasil, concentrando a maior parte dos parques eólicos em operação no País.

“Recentemente, tivemos o primeiro licenciamento prévio de um projeto de eólica offshore, no Rio Grande do Norte. Os mares, que são fontes de vento ininterruptas, estarão apoiando a geração de energia eólica. Além disso, novas torres eólicas estão sendo desenvolvidas com potencial de geração centralizada, o que é bem avançado em relação a torres mais antigas, possibilitando uma menor área com maior potencial de geração”, explicou Rudinei.

Foto: Colheita mecanizada em canavial – Crédito: UNICA/Divulgação

Por Daniel Medeiros

Fonte: Folha de Pernambuco

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