
FOLHA DE PERNAMBUCO – A decisão da Organização Marítima Internacional (OMI) de adiar por um ano a votação sobre o primeiro sistema global de precificação de carbono no transporte marítimo gerou preocupação entre representantes da cadeia de biocombustíveis. O adiamento, aprovado durante reunião do Comitê de Proteção do Meio Marinho, em Londres, posterga medidas que obrigariam embarcações a reduzir gradualmente suas emissões e adotar combustíveis mais limpos, como o etanol e o biodiesel.
O sistema, conhecido como Net-Zero Framework, previa a criação de uma taxa sobre combustíveis fósseis utilizados por navios, estimulando o uso de alternativas sustentáveis. A decisão, no entanto, foi postergada após forte pressão de países produtores de petróleo, como Estados Unidos, Arábia Saudita e Rússia.
O presidente do Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool de Pernambuco (Sindaçúcar-PE) e presidente-executivo da Novabio, Renato Cunha, afirmou que a medida representa um retrocesso diante do esforço global pela descarbonização.
“Os adiamentos levam a uma mensagem de pouca relevância para com o tema, o que enfraquece a urgência para combater desastres climáticos”, explica Cunha. O presidente do Sindaçúcar, que está na Dinamarca, checando tecnologias e informações tecnológicas para os combustíveis limpos, explicou que o mercado de carbono no transporte marítimo é bastante consistente. “Um mercado com muito futuro, um mercado que mudará o panorama de todos os mares. Ou seja, o globo com três quartos de oceanos terá um novo processo de sustentabilidade, com descarbonização e com uma transição muito consistente para que tenhamos um planeta efetivamente mais limpo”, argumentou.
Transição
Cunha destacou que o transporte marítimo é responsável por cerca de 3% das emissões globais e que a sua transição para combustíveis de baixo carbono é essencial para alcançar as metas climáticas pactuadas em acordos internacionais. Segundo ele, enquanto setores como o terrestre e o aéreo já avançam na substituição de combustíveis fósseis, o marítimo segue atrasado.
É um mercado que pode envolver até 50 bilhões de litros — um número maior do que a produção brasileira, que é em torno de 35 bilhões. Mesmo que a mistura comece com 10% e depois atinja 100%, trata-se de um grande advento, uma nova era na transição energética”, afirma o executivo.
A menção de Renato Cunha refere-se a estudos recentes que apontam a viabilidade técnica do uso de etanol nos navios, já testado por companhias como a Maersk, uma das maiores transportadoras marítimas do mundo. Segundo a empresa, uma mistura inicial de 10% de etanol já demonstrou bons resultados operacionais, abrindo caminho para o uso integral do biocombustível no futuro.
Impacto
Para o dirigente, o adiamento da votação na OMI enfraquece a confiança no processo multilateral de regulação ambiental e prejudica economias e companhias que vinham se preparando para atender às novas exigências de sustentabilidade.
“O adiamento não é benéfico para a sustentabilidade. Frustra aqueles que trabalham com produtos limpos e que atendem aos compliances e à lógica do abastecimento diante de um cenário de transição ambiental”, argumentou.
A decisão, segundo ele, também posterga a criação de um mercado global promissor para o etanol, combustível com potencial para reduzir em até 80% as emissões de carbono quando comparado ao bunker, um combustível tradicional utilizado na navegação. Sem dúvida alguma, seria bastante eficaz e eficiente para o mundo que se atinja esses níveis de suprimento também no transporte marítimo”, disse Cunha.
Perspectiva
Apesar do revés, Renato Cunha afirmou acreditar que o adiamento não encerra o debate, mas reforça a necessidade de maior compromisso político e institucional em torno das metas climáticas.
“Essa postergação não significa um cancelamento, mas um adiamento que traz prejuízos a quem se preparava para se qualificar como fornecedor global de combustíveis limpos. A esperança é que o adiamento não volte a ocorrer e que haja um compromisso maior nas COPs e em todos os acordos internacionais”, pontua o presidente-executivo da NovaBio.
A próxima reunião da OMI sobre o tema está prevista para outubro de 2026. Até lá, as discussões técnicas devem se concentrar no desenho final do Net-Zero Framework, incluindo mecanismos de incentivo a energias limpas e regras de certificação de sustentabilidade, pontos considerados fundamentais para consolidar o papel dos biocombustíveis na descarbonização do transporte marítimo.
Por Ricco Viana
Foto: Renato Cunha – Crédito: Ricardo Fernandes/Folha de Pernambuco
Fonte: Folha de Pernambuco