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A insustentável leveza da política de preços da Petrobras

Bruno Wanderley de Freitas

Por Bruno Wanderley de Freitas*

Entra governo sai governo, a política de preços dos combustíveis da Petrobras continua atuando como espada de Dâmocles sobre a cabeça de quem ocupa a cadeira do executivo em Brasilia. Porém, com poucas exceções, o governo brasileiro sempre esteve mais sensível a políticas que permitissem atenuar o impacto da valorização do preço do petróleo sobre o bolso do consumidor, seja através de reduções improvisadas dos impostos, seja na maioria das vezes através do implícito controle dos preços nas refinarias da estatal, a despeito das narrativas educadamente elaboradas para justificar o “racional” econômico por trás da demora em revisar os preços para cima.

Nos últimos dias, a Petrobras voltou a enfrentar dilemas importantes sobre sua política de preços diante da recuperação dos preços do petróleo no mercado externo; dilemas que se dividem entre o peso da realidade e a leveza e frivolidade de uma política sem a mensuração de suas consequências econômicas.

Através de sua obra mais famosa, “A insustentável leveza do ser”, o escritor tcheco Milan Kundera já nos levou a refletir sobre qual desses dois eixos, o peso ou a leveza, devem reger a vida. Longe de ser um simples romance, Milan Kundera nos leva a pensar sobre escolhas e consequências. De um lado, há os fardos que carregamos ao longo da vida, que tornam mais pesada a existência, embora também mais real e verdadeira. O contraponto é a negação de qualquer responsabilidade, tornando o ser leve, mas cujos movimentos são “tão livres como insignificantes”.

Com o objetivo de atender a promessas de campanha, o governo recorre novamente à arte da leveza do improviso, ao reduzir, com o simples peso de uma caneta, os preços da gasolina, mantendo-os baixos, apesar da direção contrária no mercado internacional. Como já dizia também Kundera, é “como se um ator entrasse em cena sem nunca ter ensaiado”. Contudo, o Brasil já viu essa peça antes, entre 2010 e 2014, no primeiro governo Dilma.

“A ausência total de fardo faz com que o ser humano se torne mais leve do que o ar, com que ele voe, se distancie da terra, do ser terrestre.” – Milan Kundera.

O preço do WTI avançou mais de 1,5% na última segunda-feira, dia 31 de julho, para US$ 81,80 por barril, acumulando alta de 17,2% no mês de julho, sendo a maior alta em um mês desde o início de 2022. Como resultado, conforme estimativa da DATAGRO, hoje o preço médio da gasolina nas refinarias da Petrobras está 26,1% abaixo da paridade, enquanto o do diesel 12,6% abaixo da paridade.

O atual contexto de alta no mercado de petróleo contradiz o argumento da Petrobras publicado na última segunda-feira ao afirmar em um comunicado oficial, que a elevação dos preços no cenário externo reflete mais fatores de “curtíssimo prazo”. Contudo, a demanda mundial parece estar mais forte do que o esperado, sem esquecer as restrições no lado da oferta.

Na verdade, o mercado de petróleo tem respirado ares mais construtivos diante da perspectiva de afrouxamento monetário nas principais economias, reacendendo expectativas de uma demanda mais aquecida nos Estados Unidos e na Índia, o que pode compensar eventual desaceleração econômica na China. Não é à toa que a demanda mundial de petróleo bateu um recorde de 102,8 milhões de barris por dia em julho, de acordo com estimativa da Goldman Sachs.

Portanto, as condições por trás da recente retomada dos preços do petróleo parecem refletir mais fatores estruturais de oferta e demanda do que propriamente eventos pontuais de volatilidade, como a Petrobras sugeriu em seu comunicado.

E a defasagem de preços não é de agora. Conforme a estimativa da DATAGRO, há exatos 70 dias o preço médio da gasolina nas refinarias da Petrobras se encontra abaixo da paridade de importação, sobretudo em um momento de maior valorização do preço do petróleo, o que tem elevado a pressão para que a estatal revise os preços dos combustíveis para cima afim de evitar que o subsídio implícito ao consumo de combustíveis, diga-se de passagem fósseis, amplie os impactos negativos sobre o balanço financeiro da companhia, sem esquecer as distorções provocadas no mercado de etanol, cujos preços se encontram abaixo dos custos operacionais de produção nas usinas de cana-de-açúcar.

“Aquele que quer permanentemente ‘chegar mais alto’ deve esperar que um dia será invadido pela vertigem” – Milan Kundera.

Ao adotar uma política arbitrária de preço, a Petrobras está levando o Brasil a incentivar mais o consumo de gasolina em detrimento do etanol, enfraquecendo a narrativa do governo de adoção de políticas em prol da descarbonização. De janeiro a junho, o consumo de etanol hidratado totalizou apenas 6,897 bilhões de litros, queda de 11,2% ante mesmo período de 2022, enquanto o consumo de gasolina comum cresceu 16,7% no comparativo anual para 23,045 bilhões de litros.

Para dar conta do crescente consumo de combustíveis no mercado interno, às expensas da menor participação do etanol hidratado no mercado, o Brasil passou a recorrer ainda mais às importações de gasolina. No acumulado de janeiro a junho, o Brasil importou 2,302 bilhões de litros de gasolina, quase o dobro do volume importado em mesmo período do ano passado, elevando em 78% o dispêndio com essas importações para US$ 1,29 bilhão.

A “leveza” da decisão de controlar os preços dos combustíveis, particularmente da gasolina, tem provocado consequências “insustentáveis” para a economia brasileira: maior consumo de combustíveis fósseis; crescente dispêndio com importação de derivados de petróleo; distorções no mercado de combustíveis, forçando a queda dos preços do etanol de cana para níveis abaixo dos custos de produção; e impactos sobre o resultado financeiro da Petrobras, e consequentemente sobre a geração e distribuição de dividendos da companhia, não só para os acionistas minoritários, mas especialmente para o Tesouro Nacional. Ou seja, a própria leveza tem seu peso, às vezes impossível de suportar.

À luz disso tudo é impossível também não citar a frase do pensador norte-americano Upton Sinclair, segundo quem “é difícil conseguir que um homem perceba alguma coisa, quando sua remuneração depende de não o perceber”. Assim, é o governo que tentará procrastinar a necessidade de aumentar os preços dos combustíveis por tempo indeterminado, apesar dos efeitos colaterais.

“Sentiu um peso, mas não era o peso do fardo e sim da insustentável leveza do ser” – Milan Kundera.

*Bruno Wanderley de Freitas é economista e sócio da Datagro Consultoria.

Artigo publicado originalmente no jornal Folha de Pernambuco em 03 de agosto de 2023.

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